sexta-feira, 4 de março de 2011

mãos frias, coração quente.



Ela já o conhecia, estudaram juntos, dois anos ou três, sempre o viu chegar atrasado com sua mochila laranja desbotada, era velhinha mas tinha um certo charme de objeto que de tanto ser usado se incorpora ao corpo do dono em uma perfeita simetria. Eles nunca chegaram a trocar palavras, seus olhares poucas vezes se cruzaram, ele nunca sentiu a maciez de seus cabelos lavados pela manhã, ela nunca sentiu o seu perfume depositado cuidadosamente ao redor do pescoço, nunca chegaram tão perto um do outro para que fossem possíveis tais façanhas, nunca. Ela descobriu um mundo novo longe dele, chorou e ele não estava lá, conheceu pessoas e não o conheceu, sentiu sentimentos escorrerem pela saliva de outras bocas e não da dele, ela invadiu corações, mas não o dele, ela criou histórias, fundou reinos, fez planos, marcou casamentos aos 30 anos e aos 40 também, nenhum com ele. Ele cresceu sozinho, solitário, saiu de casa para ver as cores de um mundo cinzento, encontrou lindas cores, mas não a dela, sentiu o gosto de abraços, muitos, mas o dela ele não sentiu, o abraço capaz de lhe arrancar um pedacinho do coração, ele encontrou sorrisos, olhos, vidas, mas ela não estava lá.

Fez frio, o inverno chegou. Ela caminhava apressada pela avenida iluminada, flocos de neve enfeitavam o cabelo e a blusa de lã. Ele em seu carro escutava jazz, pensava no que teria para jantar, sentia as mãos congelarem, o coração permanecia quente. Ele a avistou duas ruas a frente, lembrou-se de uma garota que nunca escutou a voz, ela usava as mesmas mechas vermelhas no cabelo tantos anos depois, desceu do carro, lhe gritou o nome, ela não parou, ele sentiu-se envergonhado, julgou que talvez sua memória o tivesse traído, tantas garotas usam mechas vermelhas no cabelo, pensou ele, não sabia ele que ela escutava melhor com o coração pois com as orelhas tinha certa dificuldade. Ele virou-se, voltava para o carro, ela por algum motivo banal olhou para trás, sorriu ao ver uma mochila laranja desbotada, não acreditou, o chamou.

Os olhos se encontraram, as mãos frias dele se misturavam as mãos quentes dela, se abraçaram, seus corpos não se conheciam, ele tocou seus cabelos, ela sentiu seu cheiro, não se beijaram, ainda era cedo. Dias depois se apaixonaram, fizeram amor e por fim se prometeram, não com palavras, mas com os olhos entrelaçados, com as mãos acariciando os rostos.

Ele prometeu nunca esquecê-la.

2 comentários:

ao sair, apague as luzes.