domingo, 27 de março de 2011
invisíveis corações.
Sentado no banquinho de madeira velha, parecia ipê mas não sei ao certo qual das cores, talvez o amarelo, cor bonita e imponente, cor de dia ensolarado tal aquele que se desenrrolava horas a fio desde o momento em que levantara da cama para ver a vida que se extendia janela afora, janela pequena ao lado do banquinho. Seus olhos percorriam os blocos de cimento que se juntavam para fazer nascer a quase infinita Avenida Espinosa, buscava algo lá fora, talvez uma motivação qualquer para levantar todos os dias da cama, talvez alguém que fizesse seus olhos brilharem novamente, a boca secar, o corpo estremecer. Naquela tarde muitos corações pulsantes passeavam por ali, mas nenhum pulsava por ele, eram todos indiferentes aos seus olhos tristes pendurados na janela, corações apressados passavam correndo, outros tão preocupados com a aparência que só viam eles próprios refletidos nos vidros das vitrines, outros sonhadores sorriam bobos como se flutuassem ao invés de andarem, naqueles dois bem vermelhinhos era paixão que se via explodir por todo o corpo, e assim os corações iam e vinham, mas nunca paravam para lhe dizer um simples “oi” ou um “como vai você?”, era como se sua casa não existisse ou como se ele mesmo não estivesse ali parado na janela. Era em dias como esse que ele se inundava de solidão, solidão calada que entristecia o peito e marejava os olhos, queria ele percorrer as calçadas lá fora, mas faltava-lhe coragem, na verdade penso eu que lhe faltava tesão pela vida, fé nas pessoas.
Noutro dia o quarto estava vazio, a janela aberta, nenhum sinal de vida, lá fora se via alguns corações parados, perguntei-lhes o porquê de estarem parados em frente a casa, me disseram que nunca tinham reparado nela e que era a mais bonita da rua, o mais belo jardim, olhei para a casa e fiquei confuso, só vi paredes rachadas e mal pintadas, no telhado faltavam telhas e no jardim tijolos velhos e quebrados em meio a um capim ralo, eram todos loucos e insanos, pensei comigo. A maior beleza que ali habitava já não mais existia, ninguém reparou em seus olhos, em seu coração fraquinho que pulsava forte demais para sua mísera condição, ninguém, nem mesmo eu.
"Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos." Antoine de Saint-Exupéry
domingo, 13 de março de 2011
daqueles dias.
sábado, 5 de março de 2011
um banquinho, dois sonhos.
Lá estava ela sentada no banquinho amarelo da pracinha em frente à padaria onde ele costumava comprar sonhos todas as tardes, ela repetia esse ritual sempre que conseguia burlar as aulas de matemática que tinha nas tardes de quinta-feira, o fazia desde o começo de dezembro quando o viu pela primeira vez, se esbarraram enquanto viravam a esquina do beco delgado que se instalava em meio às ruas largas da avenida principal, ela abaixou-se envergonhada para pegar o saquinho de sonhos que derrubara, afinal foi ela que apressada causara o incidente, tinha pressa porque havia prometido um favor a sua mãe, favor este que de fato não se lembrava ao certo, mas que havia prometido chegar mais cedo para realizar; ele a olhou atentamente enquanto ela em um ato singelo abaixou-se para ajudá-lo, seus cabelos negros e ondulados lhe cobriam o rosto, ela apressava-se a pedir desculpas, perdeu a fala ao sentir se atraída por aqueles olhos castanhos que ele tanto se orgulhava em ostentar, ele segurou-a pela cintura, não sabia o porquê de tal ato, mas era a vontade que sentia naquele momento, o silêncio não deixou que nomes fossem ditos, vergonha talvez.
Ela não era vista no banquinho amarelo, ele sempre distraído com fones de ouvido não reparava que do outro lado da rua ela o contemplava com anseios e vontades. Ao vê-lo ali tão próximo e ao mesmo tempo tão distante ela respirava fundo em pequenos intervalos, enchia os pulmões uma, duas, três, quatro vezes, tempo suficiente para que sonhos fossem comprados e ela o perdesse de vista enquanto ele caminhava pela rua larga rumo a sua casa.
Chovia quando ele avistou uma garota com as roupas molhadas sentada em um banco amarelo da pracinha, não conseguia ver o rosto, os óculos foram quebrados na noite anterior, ficou intrigado por ela estar ali imóvel enquanto um mar de água doce caia do céu, lavava as calçadas, os corações. Ele aproximou-se dela, ofereceu-lhe um lugarzinho embaixo do guarda-chuva xadrez azul comprado naquela manhã, ela sorriu com os ohos, ele a reconheceu, disse que a tinha procurado pela cidade inteira, que cruzava os dedos todas as vezes que passava por uma esquina, ela disse que o estava esperando no mesmo lugar desde então, no mesmo banco, no mesmo olhar.
Dois sonhos foram mastigados cuidadosamente naquela tarde, pedidos foram feitos.
sexta-feira, 4 de março de 2011
mãos frias, coração quente.
Ela já o conhecia, estudaram juntos, dois anos ou três, sempre o viu chegar atrasado com sua mochila laranja desbotada, era velhinha mas tinha um certo charme de objeto que de tanto ser usado se incorpora ao corpo do dono em uma perfeita simetria. Eles nunca chegaram a trocar palavras, seus olhares poucas vezes se cruzaram, ele nunca sentiu a maciez de seus cabelos lavados pela manhã, ela nunca sentiu o seu perfume depositado cuidadosamente ao redor do pescoço, nunca chegaram tão perto um do outro para que fossem possíveis tais façanhas, nunca. Ela descobriu um mundo novo longe dele, chorou e ele não estava lá, conheceu pessoas e não o conheceu, sentiu sentimentos escorrerem pela saliva de outras bocas e não da dele, ela invadiu corações, mas não o dele, ela criou histórias, fundou reinos, fez planos, marcou casamentos aos 30 anos e aos 40 também, nenhum com ele. Ele cresceu sozinho, solitário, saiu de casa para ver as cores de um mundo cinzento, encontrou lindas cores, mas não a dela, sentiu o gosto de abraços, muitos, mas o dela ele não sentiu, o abraço capaz de lhe arrancar um pedacinho do coração, ele encontrou sorrisos, olhos, vidas, mas ela não estava lá.
Fez frio, o inverno chegou. Ela caminhava apressada pela avenida iluminada, flocos de neve enfeitavam o cabelo e a blusa de lã. Ele em seu carro escutava jazz, pensava no que teria para jantar, sentia as mãos congelarem, o coração permanecia quente. Ele a avistou duas ruas a frente, lembrou-se de uma garota que nunca escutou a voz, ela usava as mesmas mechas vermelhas no cabelo tantos anos depois, desceu do carro, lhe gritou o nome, ela não parou, ele sentiu-se envergonhado, julgou que talvez sua memória o tivesse traído, tantas garotas usam mechas vermelhas no cabelo, pensou ele, não sabia ele que ela escutava melhor com o coração pois com as orelhas tinha certa dificuldade. Ele virou-se, voltava para o carro, ela por algum motivo banal olhou para trás, sorriu ao ver uma mochila laranja desbotada, não acreditou, o chamou.
Os olhos se encontraram, as mãos frias dele se misturavam as mãos quentes dela, se abraçaram, seus corpos não se conheciam, ele tocou seus cabelos, ela sentiu seu cheiro, não se beijaram, ainda era cedo. Dias depois se apaixonaram, fizeram amor e por fim se prometeram, não com palavras, mas com os olhos entrelaçados, com as mãos acariciando os rostos.
Ele prometeu nunca esquecê-la.
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